"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.." - ART.5 -Constituição Federal do Brasil
Inicialmente, é interessante pontuar a relação entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos.
A expressão “Direitos Humanos” é utilizada, normalmente, para se referir aos direitos que estão disciplinados em tratados, pactos, convenções e acordos trabalhados no plano internacional. Já os "Direitos Fundamentais", previstos no Título II da Constituição Federal de 1988, seriam os direitos humanos positivados em um sistema constitucional, analisados sob o enfoque do direito interno. Assim, pode-se dizer que o conteúdo dos dois é essencialmente o mesmo, a relação próxima entre ambos pode fazer com que seja difícil perceber a diferença entre direitos fundamentais e direitos humanos, de maneira que o que os difere é o plano em que estão consagrados.
A diferença entre os direitos fundamentais e os direitos humanos não está tão explícita no conteúdo, mas sim na amplitude de seu alcance e na natureza prática de ambos.
Os direitos humanos, quando tratados de forma genérica, fazem alusão à Declaração dos Direitos Humanos de 1948 que, por sua vez, é baseada na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Isso quer dizer que os direitos humanos são normas de caráter internacional, baseadas em acordos, tratados e declarações.
Já os direitos fundamentais, por sua vez, estão presentes na Constituição Federal. Isso quer dizer que, por estarem presentes no ordenamento jurídico brasileiro, são garantias formais, estabelecidas dentro dos limites do Estado brasileiro. Embora os direitos e garantias fundamentais presentes na Constituição Federal de 1988 sejam fortemente baseados na Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), sua amplitude e sua aplicação na vida da sociedade brasileira se dá de forma completamente diferente.
Em outras palavras, axiologicamente falando, não há grandes distinções entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, pois ambos protegem o centro mais valioso do ordenamento jurídico, seja interno ou externo, que é, justamente, a pessoa, a vida e a dignidade (dignidade da pessoa humana), resguardando a vida, a liberdade, a propriedade, a segurança e a igualdade, com todos os seus desdobramentos.
Direitos e Garantias Fundamentais
Previstos no já mencionado Título II da Constituição Federal, os direitos e garantias fundamentais têm como seu ponto central o reconhecido e comentado artigo 5º, segundo o qual, em seu caput, "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:".
A partir dessa frase, vemos que os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade são a base dos direitos fundamentais da Constituição Federal.
A inviolabilidade dos mesmos é a garantia de que a relação entre o indivíduo e o Estado se mantém intacta, juntamente com o Estado Democrático de Direito.
Apesar de não haver uma divisão tão cartesiana entre Direitos e Garantias, é importante saber que, classicamente, se diz que os Direitos são normas de conteúdo material e declaratório, que imprime existência legal ao direito reconhecido. É a proteção ao bem, ao interesse tutelado pela norma jurídica, configurando verdadeiro patrimônio jurídico.
Já as Garantias possuem um conteúdo mais processual, justamente com a finalidade de defender os direitos fundamentais (afinal, não adianta apenas declará-los). São mecanismos de proteção, medidas assecuratórias que visam proteger os direitos.
Portanto, os direitos declaram e as garantias protegem/asseguram. A exemplo disso, podemos citar o inciso XV do art. 5º da CRFB/88, segundo o qual é livre a locomoção em território nacional (esse é um direito); ao passo que o inciso LXVIII, também do art. 5º da CRFB/88, prevê que o habeas corpus é o remédio que defenderá a liberdade de ir e vir que esteja sendo ameaçada ou que já tenha sofrido uma lesão (essa é uma garantia).
Os principais direitos fundamentais
O artigo 5º aponta, em sua frase, cinco direitos fundamentais que são basilares para a criação dos demais e para todo o ordenamento jurídico brasileiro. A frase determina:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.
Vejamos:
· Direito à vida: Provavelmente o direito fundamental mais importante para a existência do indivíduo em sociedade, o direito à vida não leva em consideração apenas a garantia de que a pessoa tem direito sobre a própria vida e a sua existência.
O direito à vida também leva em consideração da condição de viver de forma digna, preservando a integridade física e moral de cada indivíduo que vive na nação.
Além do direito à vida, práticas que possam humilhar física e psicologicamente o indivíduo são vedadas. A coação e a tortura (incisos II e III da Constituição Federal), por exemplo, são exemplos de práticas que violam diretamente o direito à vida, e, por isso, são vedadas no artigo 5º:
“II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
· Direito à liberdade: O direito à liberdade, da mesma forma que o direito à vida, não está limitado à liberdade física, de não ser preso ou detido sem motivo ou sem ter infringido a lei.
O direito à liberdade engloba o direito de ir e vir, o direito de livre expressão e pensamento, de liberdade religiosa, de liberdade intelectual, filosófica e política, da liberdade à manifestação, entre outras.
· Direito à igualdade: O direito à igualdade, dentro do rol de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, trata mais das questões envolvendo o direito de ser tratado como igual perante os demais membros da sociedade.
Questões relacionadas ao gênero, à classe, à etnia e raça, à crença religiosa e a demais questões são abordadas na Constituição com o objetivo de dar respaldo protetivo legal à possibilidade de as pessoas serem tratadas como iguais, tendo em mente as diferenças entre si.
Outra questão relacionada à igualdade tratada na Constituição Federal tange à questão material, onde as pessoas devem ter incentivo à acesso a certos bens e condições materiais a partir da classe social, com o objetivo de combater a desigualdade social e econômica.
Além da preservação dos direitos à igualdade, os direitos fundamentais e garantias fundamentais criam mecanismos de punição àqueles que infringirem o direito à igualdade alheio.
·Direito à segurança: Dos direitos fundamentais, o direito à segurança é o que mais tem a ver com a ação do Estado na vida individual das pessoas que compõem a nação.
Dentro do direito à segurança está a capacidade do Estado em punir aqueles que não respeitam as leis, além de oferecer segurança para que o indivíduo se defenda do Estado quando o mesmo age em desacordo com a Constituição Cidadã. O inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal, por exemplo, determina que ninguém pode ser responsável por crimes que não estejam tipificados em lei, nem podem ser penalmente responsáveis sem um julgamento justo e legal.
· Direito à propriedade: Dentro do ordenamento jurídico e dos direitos fundamentais, o direito à propriedade é um dos direitos mais importantes para garantir que todos tenham a possibilidade morar e subsistir de forma digna.
O direito à propriedade assegura que todos possam desfrutar de propriedades privadas, criando normas protetivas (registros para que a propriedade seja regularizada de forma legal), além de instituir modos de distribuir propriedade a pessoas que não possuem as condições de ter um lugar para moradia e subsistência.
A usucapião, por exemplo, se baseia no inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal, que determina que toda a propriedade tenha uma função social. Trata-se de um mecanismo criado para garantir o direito à propriedade a todos, além de determinar que a propriedade precisa possuir um uso que tenha uma finalidade social (moradia, trabalho, alimentação…).
Características dos Direitos Fundamentais
Vejamos, agora, brevemente, as principais características dos Direitos Fundamentais, para que assim possamos passar à análise de sua evolução histórica.
1. Relatividade
No ordenamento jurídico brasileiro, vigora a tese de que não há direito fundamental absoluto. Portanto, eles gozam da característica da relatividade. A exemplo disso, o próprio direito à vida, o mais fundamental dos direitos, encontra ressalvas na alínea 'a' do inciso XLVII do art. 5º da CRFB/88, segundo o qual "XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX".
Além disso, em caso de conflitos, dever-se-á recorrer ao princípio da ponderação. Pondera-se à luz dos princípios da hermenêutica, tais como razoabilidade, proporcionalidade, concordância prática, unidade, presunção de constitucionalidades das leis, entre outros.
2. Complementariedade
Significa que os direitos fundamentais são analisados de forma conjunta. Eles se complementam.
3. Indisponibilidade
Essa é uma característica que nos impede de dispor ("abrir mão") do núcleo dos direitos fundamentais. Assim, por exemplo, o que se vende na propriedade são as suas manifestações concretas, e não o seu núcleo informador.
4. Imprescritibilidade
Os direitos fundamentais são imprescritíveis. Eles não estão sujeitos ao decurso do tempo e não são perdidos pela falta de uso. Ao contrário, eles podem ser exercidos ou reclamados a qualquer tempo.
5. Universalidade
A característica da universalidade pode ser analisada sob dois ângulos: 1) a partir de 1945, em que os Direitos Humanos foram internacionalizados. Essa universalidade, portanto, se associa à abertura no período pós-guerra; 2) pode-se referir à questão dos destinatários dos direitos fundamentais, que são TODOS os indivíduos.
6. Irrenunciabilidade
Significa que não se renuncia ao núcleo de um Direito Fundamental. Alguns podem até não ser exercidos, mas não se admite que sejam renunciados.
7. Historicidade
Os direitos fundamentais não são definitivos. Eles resultam de um constante processo de modificação na medida em que o próprio contexto histórico também evolui.
8. Aplicação Imediata
Admitida por alguns autores, essa característica significa que, independentemente de estarem relacionados a normas de eficácia plena, contida ou limitada, os direitos fundamentais podem ser aplicados imediatamente desde a sua promulgação. É assim que está previsto no art. 5º, § 1º, da CRFB/88: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".
Classificação dos Direitos Fundamentais e Garantias
Como vimos anteriormente, os direitos e garantias fundamentais são divididos em categorias que os classificam de acordo com as suas aplicações em relação aos direitos dos indivíduos e da sociedade.
Os direitos individuais e coletivos, por exemplo, trazem direitos fundamentais relacionados ao direito à vida e à liberdade, tanto de indivíduos quanto de coletivos organizados ou formados a partir de características específicas.
Os direitos sociais, por sua vez, levam em consideração os direitos fundamentais que toda a sociedade desfruta. Os direitos à educação, alimentação, segurança, trabalho, moradia e saúde são exemplos de direitos sociais fundamentais.
Os direitos de nacionalidade, como o nome já diz, determina quais são as normas, direitos e deveres dos brasileiros (natos e naturalizados), em relação ao seu país e à sua condição de cidadão brasileiro em outros locais.
Por último, os direitos políticos determinam a liberdade de manifestação política, de se organizar politicamente e de constituir partidos políticos, apresentando regras, direitos e deveres do cidadão e da célula partidária política frente à sociedade.
São eles: direitos individuais e coletivos (artigo 5º da CF), direitos sociais (do artigo 6º ao artigo 11 da CF), direitos de nacionalidade (artigos 12 e 13 da CF) e direitos políticos (artigos 14 ao 17 da CF).
Evolução histórica: gerações ou dimensões dos Direitos Fundamentais
As dimensões de direitos fundamentais relacionam-se à Historicidade. Bobbio, em “A Era dos Direitos”, destacou as três primeiras gerações (as clássicas) dos direitos fundamentais. Nesse sentido, é importante mencionar que a expressão “geração” foi alvo de críticas. Alguns autores diziam que isso poderia dar a noção de algo do passado que foi substituído pelo presente, extirpado por uma nova geração, além de nos remeter à ideia de hierarquia.
Dessa forma, alguns autores passaram a utilizar a expressão “dimensão”, que seria algo atemporal, de forma que, com o passar das "dimensões", os direitos fundamentais se complementariam, e não se excluiriam. Vejamos.
1ª dimensão ou geração dos direitos fundamentais (liberdade)
É a geração/dimensão dos direitos civis e políticos, com foco no indivíduo. Inaugurou-se aqui o movimento constitucionalista, fruto dos ideários iluministas do século XVIII, com a passagem do Estado Absolutista para o Estado de Direito, que tinha como base a defesa da liberdade do indivíduo.
É conhecida como a geração/dimensão das liberdades negativas. Nesta geração/dimensão, o Estado teria um dever de prestação negativa, isto é, um dever de nada fazer, a não ser respeitar as liberdades do indivíduo. Era um Estado não intervencionista.
Essa é a geração/dimensão das liberdades do indivíduo: públicas, civis e políticas. Além disso, a defesa aqui era pela igualdade em sentido formal (legal) - "todos são iguais perante a lei".
Em outras palavras, nesse momento da história, também se defendia a igualdade. No entanto, essa igualdade era ligada à lei (no sentido de que a lei fosse igual para todos). Era a igualdade no sentido formal, e não substancial! Aos poucos, contudo, se percebeu que a lei não poderia ser igual para todos, justamente porque nós não somos exatamente iguais, nós temos necessidades distintas. Então, no surgimento do bem-estar social, que veremos a seguir, surgiram os direitos sociais, econômicos e culturais, que defendem uma igualdade mais real, mais substancial.
Seriam exemplos: direitos `vida, a liberdade de locomoção, a liberdade de opinião, a liberdade de expressão, a propriedade, a manifestação, o voto, o devido processo legal.
2ª dimensão ou geração dos direitos fundamentais (igualdade)
No início do século XX, na passagem do Estado liberal para o Estado de Bem-Estar Social, as Constituições passaram a se voltar para a defesa dos direitos sociais, econômicos e culturais. Exigia-se atuação positiva do Estado, bem como prestações sociais (políticas públicas de saúde, educação, moradia, direitos dos trabalhadores etc.), e não mais apenas prestações negativas. O foco aqui passa a ser a coletividade. É a geração/dimensão da igualdade material (tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual), com o enfoque para a defesa dos hipossuficientes.
A partir dessa geração/dimensão, não se exige mais do Estado uma postura de abstenção, mas, ao contrário, impõe-se a sua intervenção. Nesse diapasão, seriam exemplos clássicos desses direitos: o direito à saúde, ao trabalho, à assistência social, à educação e o direito dos trabalhadores.
3ª dimensão ou geração dos direitos fundamentais (solidariedade/fraternidade)
Surgiu após a 2ª Guerra Mundial, marcada pela preocupação com os direitos coletivos e difusos. Marcada pelos ideais da solidariedade e da fraternidade, com a proteção de direitos de uma sociedade já modernamente organizada: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito à comunicação, o direito à autodeterminação dos povos, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, etc.
Lembrando que não excluem os direitos de 1ª e de 2ª geração/dimensão. A relação entre os direitos fundamentais é de complementação e não de isolamento.
No Brasil, é possível notar essa evolução histórica. As duas primeiras Constituições brasileiras, de 1824 e 1891, eram compostas por direitos de 1ª geração/dimensão. A primeira Constituição social foi a de 1934. Já em relação aos direitos coletivos e difusos, pode-se dizer que esses foram desenvolvidos a partir da Constituição de 1946. Mas, mais precisamente em relação ao meio ambiente, a influência é observada na Constituição de 1988.
As gerações citadas acima são as clássicas, reconhecidas, inclusive, pelo STF. Há autores que dizem que os "novos direitos fundamentais" devem se encaixar em alguma delas. Porém, outros já tratam das 4ª, 5ª e 6ª gerações/dimensões.
Continuando....
4ª dimensão ou geração dos direitos fundamentais
Para Paulo Bonavides essa geração/dimensão seria fruto da pós-modernidade, da globalização. É a geração/dimensão que recebe as influências dos avanços da ciência e da tecnologia, ligada à informação, pluralismo e democracia. Já Norberto Bobbio exemplifica tal geração com os direitos de pesquisa biológica (patrimônio genético). Diz respeito à ética, à bioética e ao biodireito. A cirurgia de mudança de sexo é outro exemplo de direito da 4ª geração/dimensão. É a geração/dimensão da internet, da robótica, da manipulação das células-tronco.
5ª dimensão ou geração dos direitos fundamentais
Paulo Bonavides defende que essa dimensão/geração está relacionada ao compromisso firmado no século XXI com relação à paz mundial. Há quem entenda que seria a dimensão/geração da compaixão e do amor por todas as formas de vida. Para Bonavides, deve existir um compromisso dos Estados soberanos em manter a paz no mundo, e para impedir novas guerras e violações a Direitos Humanos.
6ª dimensão ou geração dos direitos fundamentais
Para alguns autores, é a geração da água potável. Considerando que a água é um recurso que se esgota e que a falta dela inviabiliza a vida, essa geração/dimensão entende que é preciso a união dos povos para evitar que a água se esgote.
E, assim, terminamos este artigo, lembrando, é claro, que todos esses direitos fundamentais se complementam!
Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
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